domingo, 30 de junho de 2013

Noventa

Meu tio morreu, no auge dos seus noventa anos. Não lembrava seu nome, nem seu rosto. Não foi uma morte mirabolante, foi uma morte simples, daquelas que apesar de parecer irônico, a gente se atreve a chamar de bonita: sentou após o café da manhã na sua cadeira desgastada pelo tempo e não mais levantou. E por morrer em horário tão cedo, recebi a notícia ainda sonolento, minha única reação foi virar de lado e dormir de novo. Frieza? Não! Eis a explicação...


Por anos não lembrei que esse meu tio existia; mas parece que não fui o único. Não houve comoção na despedida, não houve casa lotada: alguns sobrinhos, irmãos, a viúva pouco chorosa, uma filha dos muitos, nenhum neto.


Sua morte não me espantou, não me arrancou uma lágrima, sua vida sim... Pode alguém passar tão despercebido?Quais as grandes histórias que ele pode contar? Quais amores furtivos ele viveu? Quais recordações eu levarei desse meu tio? Quais contribuições singelas vão se perpetuar entre seus próximos? Tantas perguntas a uma vida pacata, quase inexistente, apesar do longevidade dos anos, chego a sentença que a sua vida não aconteceu, se arrastou.


Mas até existências apagadas nos fazem levar alguma coisa, e com o senhor meu tio anônimo, tantas vezes esquecido, viverá para sempre em minha memória, levarei a maior de todas as lições.


Vou escrever minha história na história de muita gente. Assim viverei por mais tempo do que minha própria existência. Enfim, obrigado por me ensinar, mesmo que indiretamente, essa grande lição. E apesar de não ter se cansado nessa vida, descanse em paz.

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