domingo, 7 de julho de 2013

Mais um mendigo

A massa d’água o arrastou como se fosse um graveto. Na verdade não diferenciava muito de um. O encardido dos anos nas ruas o deram uma tonalidade marrom, eterna. Os anos de fome o secaram como um arbusto desfolhado, levemente curvado (por vergonha ou à procura de algo no chão que pudesse ser útil), sem nenhum sinal de vida aparente.

Gritos, choro e estrondos. Tudo abafava e voltava à medida que mergulhava e emergia. Num ciclo interminável, apesar de ter se passado pouco mais de dez segundos.
Sentiu uma dor aguda, seu corpo tinha se chocado contra algum pedaço de concreto e seu braço foi decepado. Não iria lhe fazer falta. Quantas vezes aquele braço ficou estendido esperando algum trocado ou pedaço de comida? Braço inútil.

A força da água fez sua perna ser esmagada entre dois carros. Essa poderia fazer falta. Quantas vezes correu assustado a noite de adolescentes que o queria incendiar ou da polícia que distribuía cacetadas gratuitas e dolorosas? Mas hoje, ao ver o mundo d’água descendo a colina de barracos, as malditas pernas falharam e o colocaram naquele esgoto enorme de madeira, lama, móveis, sonhos e corpos, coisa que até então, milagrosamente, o seu ainda apresentava vida. Perna inútil.

Um vergalhão de ferro atravessou-lhe a barriga, esta passou a maior parte dos anos fazendo ruídos de vácuo. Quantos dias não teve nada para digerir? Barriga inútil.

Teve seus olhos perfurados, olhos de enxergar miséria. Olhos inúteis.

Perdeu a consciência. Consciência inútil, por anos sem nome, agora era apenas partes que ninguém faria o favor de juntar.

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